“O exame se converteu num instrumento no qual se deposita a esperança de melhorar a educação. Parece que tanto autoridades educativas como professores, alunos e a sociedade consideram que existe uma relação simétrica entre sistemas de exames e sistema de ensino. [...]” (p. 51)
Então o sistema de exame é tratado como o sistema de ensino e cria-se a ilusão de que melhorando o sistema de exame também irá melhorar o sistema de ensino.
“Um dos pontos onde a política educativa adquire concretude é o problema do exame. A nova política educativa – de corte neoliberal – responde aos postulados de racionalidade que impõe a conjuntura da crise econômica. Seus fundamentos conceituais são expressos através de noções como: qualidade de educação, eficiência e eficácia do sistema educativo[...]” (p. 52-53)
Com essa nova política de cortes orçamentários decorrentes da crise, afeta também o sistema educacional, que agora tem menos recursos para usar na educação e isso implica numa redução da qualidade de ensino.
“A partir da instauração de uma política educativa de corte neoliberal buscam-se justificativas “acadêmicas” que permitam fundamentar a restrição do ingresso à educação. [...] Por outro lado, são estabelecidos instrumentos que legalizam a restrição à educação: este é o papel conferido ao exame. [...]” (p. 54)
Com a redução do orçamento para a educação, então uma conseqüência é a restrição do acesso à educação e começa o método de seleção, onde os melhores são selecionados, então o exame aparece como instrumento de classificação.
“[...] é natural pensar que depois de uma aula os estudantes devem ser examinados para valorar se adquiriram o conhecimento apresentado. [...]” (p. 55)
Esta forma de classificação dos estudantes está tão presente que todos achamos que é a forma certa de verificar se o aluno aprendeu.
“[...] existem inúmeras evidências de que antes da Idade Média não existia um sistema de exames ligado à prática educativa. [...]” (p. 55)
Então, o exame é uma prática da sociedade moderna, que agora precisa selecionar os melhores.
“Se o exame não é um problema ligado historicamente ao conhecimento, é um problema marcado pelas questões sociais, sobretudo aquelas que não pode resolver. Assim, o exame é na realidade um espaço de convergência de inúmeros problemas. [...] Podem ser sociológicos, políticos e também psicopedagógicos e técnicos. [...]” (p. 56)
Como podemos perceber, o exame nem sempre existiu na educação, ele foi criado para tentar resolver problemas da nossa sociedade.
“Desta maneira, o exame aparece permanentemente como um espaço super-dimensionado. [...] É observado pelos responsáveis pela política educativa, pelos diversos diretores das instituições escolares, pelos pais de família, pelos alunos e finalmente pelos próprios docentes. [...] todos estes grupos coincidem em termos globais em esperar que através do exame se obtenha um conhecimento “objetivo” sobre o saber de cada estudante.” (p. 56-57)
Então, podemos ver que o exame é importante para várias pessoas ligadas à educação, pois nele se deposita o “poder” de avaliar o conhecimento do aluno.
“Uma das funções atribuídas ao exame é determinar se um sujeito pode ser promovido de uma série para a outra. Sob esta ideia central aparecem outras duas funções: permitir o ingresso de um indivíduo em um sistema particular (caso de exame de admissão) ou legitimar o saber de um indivíduo através da certificação de um título profissional.” (p. 58)
Podemos ver que o exame foi inserido em várias etapas do processo educacional, desde o ingresso do aluno até a sua saída, com a obtenção da certificação.
“[...] Os problemas de ordem social: possibilidade de acesso à educação, justiça social, estratos de emprego, estrutura de investimento para o desenvolvimento industrial etc., são transladados a problemas de ordem técnica: objetividade, validade, confiabilidade. [...]” (p. 59)
Já que os problemas agora tem uma dimensão científica, então a ciência passa a buscar métodos de aumentar a objetividade, validade e confiabilidade dos exames.
“[...] Sua função consiste em ser a última parte do método que pode ajudar a aprender. Portanto, através do exame não se decide nem a promoção do estudante nem sua nota. Esta não existe até o século XIX. [...]” (p. 60)
O exame então, estava tão inserido dentro do processo de ensino/aprendizagem e não servia para medir o quanto ele aprendeu.
“A transformação operada neste século: promover e qualificar o desempenho estudantil através do exame. Por um lado, separou o exame da metodologia. O exame deixou de ser um aspecto do método ligado à aprendizagem. Por outra parte, perverteu a relação pedagógica ao centrar os esforços de estudantes e docentes apenas na certificação. [...]” (p. 61)
Aqui o exame deixa de ser parte do processo de ensino e passa a ter um caráter de medir o desempenho dos estudantes.
“[...] Com o aparecimento da novas funções do exame: certificar e promover, quando existe uma dificuldade de aprendizagem, os professores e as instituições (caso do exame departamental) aplicam exames.” (p. 61)
Então, o exame é usado para medir o conhecimento e com isso certificar e promover o aluno.
“A partir de toda esta situação se estruturou a pedagogia do exame. Uma pedagogia articulada em função da certificação, descuidando notoriamente dos problemas de formação, processos cognitivos e aprendizagem. [...]” (p. 62)
A pedagogia passa então a preparar o aluno para passar nos exames, pois pensava-se que o exame era quem dizia se o aluno aprendeu ou não.
“[...] De fato, em nosso século, a pedagogia deixará de referir-se ao termo exame, o substituirá por teste (que aparentemente é mais científico) e posteriormente por avaliação (que tem uma suposta conotação acadêmica).” (p. 63)
Podemos ver que o processo de verificação de aprendizagem fica cada vez mais a cargo da ciência, tornando então o processo cada vez mais técnico.
“Os estudos para medir a inteligência desembocaram rapidamente numa teoria de testes. O teste foi considerado como um instrumento científico, válido e objetivo que poderia determinar uma infinidade de fatores psicológicos de um indivíduo. Entre eles se encontram a inteligência, as atitudes, interesses e a aprendizagem.” (p. 64)
Mais uma vez a ciência desenvolve maneiras de medir o conhecimento das pessoas e assim poder usar isto a favor de seus propósitos.
“[...] Eram empregados na seleção das forças armadas, no conjunto social e nas escolas. [...]” (p. 64)
Já que agora o conhecimento pode ser medido, então ele pode ser usado também para selecionar os indivíduos.
“[...] teoria dos testes de inteligência para determinar que os sujeitos sociais marginalizados (negros, presidiários, prostitutas) possuíam um coeficiente intelectual abaixo do normal. [...]” (p. 65)
Aqui o teste está sendo usado como uma forma de marginalização social contra negros, presidiários e prostitutas.
“[...] Em 1922 o presidente da Universidade de Colgate sustentou que unicamente quinze por cento da população tinha inteligência suficiente para ingressar no College. [...]” (p. 66)
Agora o teste está sendo usado para selecionar os melhores, e os que forem considerados inaptos são deixados de fora por estas instituições.
“[...] A partir deste debate se estabelecia que alguns estudantes mereciam receber educação em virtude de uma qualidade congênita: a inteligência. [...]” (p. 67)
Aqui aparece um novo indicador, que é a inteligência, e agora as pessoas são classificadas pela sua inteligência.
“Especialistas em avaliação chegaram a afirmar que enquanto o exame “tradicional” era caseiro e subjetivo, a prova objetiva (isto é, construída em função da teoria do teste) era válida e objetiva. [...]” (p. 68)
Alguns especialistas defendem que o método de avaliação por exame é mais eficiente do que o método “tradicional”.
“[...] Deixou-se de analisar os problemas da educação e da didática desde as perspectivas da formação e da aprendizagem. O debate em relação ao exame se converteu num debate técnico centrado em problemas tais como: construção de provas, tipos de prova, validação estatística do exame e atribuição estatística de notas.” (p. 70)
Então, os debates aqui são em torno do exame e de outras formas de medir o conhecimento e não mais das formas de ensino e didática.
“[...] Os sintomas foram tratados com o status de problema e a eles se aplicou uma resposta técnica. Desta maneira emergiram novas especialidades educativas para as quais foi preciso dar capacitação. Entre elas se destacam: avaliação, sistematização, currículo, estratégias de instrução.” (p. 71)
O que vemos aqui é a divisão do ensino/aprendizagem em áreas menores numa tentativa de resolver os problemas da educação.
“[...] Assim, no século atual, o debate sobre o exame transitou em direção aos testes e recentemente se fincou no termo avaliação.” (p. 72)
Mudaram-se os nomes, mas todos tem o mesmo objetivo que é o de medir o conhecimento.
“[...] Nunca se analisou a possibilidade de medir uma qualidade (aprendizagem) em permanente evolução e transformação no sujeito. [...]” (p. 72)
Isso de deve ao fato de os métodos de avaliação serem quantitativos e buscarem apenas verificar o quanto de conhecimento o aluno conseguiu absorver.
“Desta forma a avaliação educativa paulatinamente adquiriu o status de um campo técnico próprio. Esta segmentação do trabalho educativo é o resultado de uma pedagogia industrial que se rege pelos princípios da divisão técnica do trabalho. [...]” (p. 73)
Então, há uma divisão do processo de ensino/aprendizagem em várias áreas independentes e cada uma com o seu propósito.
“Afirmamos que os especialistas em avaliação da aprendizagem em geral não têm uma formação sólida. Isto explica por que em alguns casos médicos, engenheiros e outros variados profissionais se dedicam a este tema.” (p. 74)
Como vemos, pessoas das mais diversas profissões são colocadas na tarefa de avaliar, o que é um erro, pois estas pessoas não conhecem a realidade do ambiente escolar.
“[...] “Mede igualmente a todos os alunos em forma objetiva. É um elemento para a unicidade dos programas”(ibidem). Obviamente esta objetividade se consegue quando a atribuição de notas é ajudada pelo computador.” (p. 75)
O que também é um erro, pois os alunos são diferentes na hora de aprender.
“[...] A tarefa educativa não deve contribuir para formar estudantes com pensamento próprio, senão estudantes que mostram o repertório de condutas que tem sido preestabelecidas como modelo de aprendizagem. [...]” (p. 75)
O que os estudantes fazem são apenas decorar e repetir o que o professor ensina, próprio da pedagogia tradicional.
“[...] As deficiências nos métodos de ensino, na seleção dos conteúdos, na aquisição de bibliografia e nos hábitos do trabalho intelectual dos estudantes se resolverão por meio do exame. [...]” (p. 76)
Estão colocando muita responsabilidade em cima do exame e se esquecendo que ele é apensa uma parte do processo de ensino/aprendizagem.
“[...] Estas traições giram desde as diversas fraudes que se realizam em relação ao exame(copiar do companheiro, levar anotações para o exame), até formas muito mais sutis mas não menos eficazes, tais como dar aula em função do exame preparado.[...]” (p. 76)
A prática do exame leva alguns alunos a realizar fraudes na tentativa de melhorar a sua nota.
“[...] Desta forma, a ação na aula se converte em uma ação perversa em seu conjunto: os professores só preparam os alunos para resolver eficientemente os exames e os alunos só se interessam por aquilo que representa pontos para passar no exame.” (p. 77)
Então a única preocupação entre alunos e professores é que os alunos consigam tirar uma boa nota.
“[...] Necessitamos recuperar a sala de aula como espaço de reflexão, debate e organização de pensamentos originais. Uma vez alcançado isto o problema do exame será totalmente secundário.” (p. 78)
O que não acontece na pedagogia do exame, pois a maior preocupação é em reproduzir exatamente o que o professor ensinou.
“[...] Por isso pode-se afirmar que a atribuição de notas não responde a um problema educativo nem está forçosamente ligada à aprendizagem. Sua tarefa se aproxima mais do poder e do controle.” (p. 78-79)
As notas estão ligadas mais na tentativa de resolver problemas de ordem social.
“[...]”o que posso afirmar de um aluno que responde corretamente uma pergunta de geografia é que responde essa pergunta.” Daí chegar à conclusão que se sabe geografia não é algo que se infere logicamente. [...]” (p. 79)
Então, não é uma nota que vai dizer se o aluno sabe ou não sobre um determinado assunto.
“Tampouco a contratação de quem terminou seus estudos depende de suas notas, pois, tal como mostram diversas teorias econômicas – mercado segmentado, conflito pelo status, correspondência – (ver: GÓMEZ, V. Op. Cit.) a obtenção de um emprego obedece a fatores totalmente independentes do processo escolar.” (p. 82)
Isso cria indivíduos cada vez mais individualistas, pois apenas os melhores são selecionados e terão um futuro melhor.
“Podemos concluir que a pedagogia, ao preocupar-se tecnicamente com os exames e notas, caiu numa armadilha que a impede de perceber e estudar os grandes problemas da educação.” (p. 82)
A pedagogia deveria se preocupar mais com a qualidade de ensino e não dar tanto valor aos exames e às notas.
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